sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A UNIDADE DO ESPIRITO



“Solícitos em guardar a unidade do Espírito” (Efésios 4:3)
O falso princípio de uma união sobre a base de concessões mútuas goza de grande reputação e de uma bela aparência; mas é profundamente perverso e presunçoso. Supõe que a verdade está à nossa disposição. Filipenses 3 ensina um princípio totalmente diferente: não existe nenhuma idéia de concessão nem de nenhum arranjo para expressar a verdade para acomodar diferentes pontos de vista. Diz a Palavra: “Assim, todos os que somos perfeitos, isto mesmo sintamos” (v. 15). Não diz: “Façamos descer a verdade até a medida de quem não chegou à sua altura”. Tampouco se refere a duas pessoas que ignoram qual das duas tem a verdade, ou que estão satisfeitas de supor a possibilidade de engano quando renunciam mais ou menos ao que sustentam a fim de expressar seu acordo. Tudo isto constitui uma violação contra a autoridade da verdade sobre nós.
Segue dizendo o versículo: “e, se, porventura, pensais doutro modo, também isto Deus vos esclarecerá”. Aqui não se trata de uma questão de concessões, mas sim de caminhar juntos nas coisas que possuímos; e ao as reconhecer como a verdade de Deus, não podemos renunciar a nenhuma delas, mas sim, pelo contrário, todos nos sujeitamos a elas. Neste caso, não há lugar para nenhuma concessão, nem de um nem de outro lado; pois todos possuem a mesma verdade, havendo-a já alcançado em alguma medida, e todos caminham juntos, pensando a mesma coisa (compare-se 1Coríntios 1:10). O remédio para as diferenças de pensamentos que possam ficar, não é fazer concessões (como se poderia tratar assim com a verdade?), a não ser a revelação de Deus a favor daquele que é ignorante, como todos nós o somos sobre uma grande variedade de pontos.
Mas me objetará: “Sobre essa base, a gente nunca chegará a um acordo.” Mas onde encontramos na Palavra algo assim como “chegar a um acordo”? Chegar a um acordo não é a unidade da Igreja de Deus. A verdade não pode ser alterada, e não nos chama a impor pela força nossos imperfeitos pontos de vista sobre outros. Eu devo ter fé e, para andar juntos, todos devemos ter a mesma fé; mas nas coisas que recebemos como a verdade de Deus pela fé, não posso fazer concessões. Posso tolerar a ignorância, mas não posso acomodar a verdade para agradar a outros. Me perguntará: “Como podemos andar juntos em tal caso?” Mas por que estabelecer bases de unidade que requeiram ou unidade de opiniões, ou uma coisa tão perversa como a concessão desta ou aquela verdade? Quanto às coisas em que possuímos a verdade, e com respeito às quais temos fé, temos a mesma mente, andamos nelas juntos (Filipenses 3.16). Se chegasse a adquirir um maior conhecimento sobre alguma coisa, terei paciência com a ignorância de meu irmão até que Deus revele o assunto a ele. Nossa unidade jaz no próprio Cristo. Se a unidade depender de concessões, trata-se só de uma seita fundada sobre opiniões humanas, porque o princípio da absoluta autoridade da verdade se perdeu.
Me dirão que os verdadeiros cristãos nunca comprometerão os pontos fundamentais do cristianismo. direi : “entendo”; mas não é assim. Há muitos que estão de acordo apesar dos enganos que afetam os fundamentos. Sei que outros não estariam; mas isto não altera o fato de que o princípio de concessões não está de maneira nenhuma autorizado na Palavra, nega a autoridade da verdade sobre nós, e pretende poder dispor da verdade em honra à paz[1]. A Palavra supõe que suportemos a ignorância, mas nunca admite as concessões, por quanto não supõe que os homens possam elaborar regras diferentes dela mesma para chegar a um acordo.
Eu recebo a um homem “débil na fé” (Romanos 14); mas não lhe concedo nada como se fosse a verdade, nem sequer em um ponto tal como o “dos legumes”; talvez chegasse a negar verdades essenciais fazendo tal coisa. Tal caso pode acontecer, quando o fato de observar dias poderia pôr em dúvida a autenticidade cristã daquele que obra desta maneira (Gálatas 4:9-11). Pode haver outro caso do que só poderia dizer: “A respeito deste ponto, ‘cada um esteja plenamente convencido em sua própria mente’” (Romanos 14:5, 6, etc.). Às vezes o cristianismo inteiro depende de algo com o qual se pode ter paciência a respeito de outros pontos de vista (Gálatas 2:14).
Reitero, não há traço algum na Palavra de um sistema que suprima uma parte da verdade com o fim de ter uma confissão comum, a não ser justamente ao contrário. Nos tempos dos apóstolos estava a perfeita verdade, e Deus revelou tudo o que faltava, quando as circunstâncias eram contrárias. Todos eles eram de “um mesmo sentir”, de uma mesma mente, e caminhavam juntos, e não havia nenhuma necessidade de concessões. Ninguém pretendeu recorrer a uma coisa como esta. A Bíblia não contempla pretensões deste tipo. Seria mutilar a verdade para adaptá-la às idéias de muitos.
A Palavra, portanto, especialmente em Filipenses 3, condena este acerto de verdades mutiladas, feitas com o propósito de que outros as adotem, pois isso desonra a Deus e a sua verdade. Estes são os meios que se empregam para formar uma seita, a que se compõe daqueles que estão de acordo sobre os pontos que se estabelecem como fundamentos da união. Mas esta não é nunca a unidade da Igreja de Deus. Poderá ser uma seita ortodoxa, e inclusive abranger grande parte de uma nação, porque é um corpo formado sobre a base de um acordo ao qual os homens chegaram sobre certas verdades; mas isso não é a unidade da igreja de Deus. Nas “confissões ou declarações de fé” que se elaboram, não se trata de ter paciência com indivíduos que ignoram certos pontos, nem de reconhecer juntos que a algum falta o conhecimento disso, nem de iluminar a indivíduos que se encontram nesta situação: eles só declaram a verdade que possuem, a fim de que outros (por um acordo a essa declaração) unam-se a quem a tem adotado como fundamento da união. Para que todos a adotem, a profissão da verdade tem que ser reduzida à medida da ignorância de todos aqueles que ingressam, se forem sinceros nessa profissão; mas isto não é suportar, ter paciência, com outros, mas sim —como o tenho dito— se trata de pessoas que dispõem da verdade de Deus por um compromisso humano. É essa “a unidade do Espírito” (Efésios 4:3)?
De novo, prestem atenção a isto. Se eu conhecer a verdade, e faço uma concessão a fim de me unir a outros em uma confissão comum, minha concessão não é outra coisa que simplesmente conceder a verdade a alguém que não a quer ter. Agora, se junto com outros, faço concessões porque só temos opiniões e ignoramos a verdade, ou não temos certeza quanto a ela, que monstruosa pretensão, nesse estado de ignorância, é estabelecer uma regra para ser imposta a outros como fundamento da unidade da igreja, sob pena de não poder ser membro dela! Pode-me dizer: “Mas em lugar disto, você impõe suas próprias opiniões, ao estar seguro da verdade”. De maneira nenhuma; porque eu acredito em uma unidade que já existe: a unidade do corpo de Cristo, do qual todo cristão é membro (Efésios 4); enquanto que você estabelece uma união sobre pontos de vista a respeito dos quais se chegou mediante um acordo. você me dirá então que eu sou indiferente quanto à verdade. Não é assim; mas sim você empregou meios inadequados para guardá-la, impondo a outros a profissão de uma parte da verdade como base da unidade.
J. N. Darby

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